quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Nosso conto de fadas

Essa minha necessidade louca de escrever ainda vai me colocar em maus lençóis... De tanto descrever, e claro, fantasiar como seria a minha primeira sessão BDSM com D., eu escrevi um conto erótico pra tentar dimensionar, nem que fossem dez por cento, de tudo o que eu tenho vontade de fazer com ele...



Ela chega ao quarto do motel e olha o ambiente ao redor. Confere as cadeiras, pesadas, e os lençóis, brancos e impecáveis onde deitará o homem que ousou despertar essa força quase visceral dentro dela, depois de tantos anos... Coloca pra tocar a trilha sonora gravada especialmente pra esse encontro– Slave to love é a primeira música – e sente o coração bater, descompassado, e o corpo todo ser dominado por um sentimento de torpor, até que desperta dos seus devaneios e se lembra que tem que começar a preparar a cena.

Começa a tirar da bolsa todos os acessórios que serão usados naquela noite. Acende as velas, coloca-as em pontos estratégicos do quarto pra criar uma iluminação especial, porque especial é o mínimo que ela quer de tudo isso. Acende um incenso, de ópio, pra relaxar, e relaxa ainda mais acendendo um cigarro, que fuma olhando pela janela enquanto abre um botão da blusa preta transparente, revelando lingerie de renda comprada especialmente pra esse encontro. “Ele gosta de preto”, pensa, e morde o lábio pintado de vermelho sangue, fechando os olhos, num momento de profunda excitação.

Então põe sobre a cama tudo aquilo que ele quer. “São sempre eles os grandes manipuladores que nos fazem pensar que somos nós quem comandamos, quando na verdade, somos atores do espetáculo de dar prazer a eles”. E o seu submisso merece tudo aquilo o que veio buscar. Prazer, humilhação e dor. Ele ousou tirá-la do casulo de sua tranquilidade e começou a despejar doses cavalares de adrenalina em suas veias. Ele a seduziu como bom moço que é, sempre disposto a servir e deixar que ela fizesse o que quisesse com ele. Ele se dispôs a entregar-se por completo, porque sabia que era isso que ela mais desejava e que não conseguiria resistir aos seus apelos de “faça o que quiser comigo”. Isso, pra uma predadora, é uma oferta irrecusável. E ele sabia disso.

Sete horas. Uma batida na porta e o sangue gela. E ferve. As bochechas coradas, sua marca registrada, já não incomodam mais, tamanha tempestade de emoções que ela está sentindo. Abre a porta e ele vem, seu cheiro invade o quarto e o sorriso dele ilumina a cena. Quando ele se aproxima, pra dar dois beijinhos no rosto e aquele abraço aconchegante, ela dá dois passos pra trás, olha friamente em seus olhos e não diz uma única palavra. “Somos muito compatíveis”, ela repete mentalmente uma frase que ele havia dito em uma de suas conversas, e torce pra que ele tenha entendido o recado.

E é óbvio que ele entendeu. Nesse exato momento ele coloca a mochila no chão e se ajoelha, em posição de reverência, com a cabeça encostada nos joelhos, aos pés dela. E assim ficam os dois, naquela atmosfera em preto e branco, a dominadora experimentando o poder sobre seu submisso e ele aguardando as ordens. “Tira a camisa”, ela diz. E ele responde “sim, senhora”, e começa a tirar, lentamente, permitindo que ela observe – e deseje – cada centímetro da pele branca em que ela quer deixar as suas marcas...

“Fica de pé”, ela ordena. “Agora, dispa-se, mas não por inteiro”. Ele esconde um sorriso de satisfação, afinal, não pode sorrir largamente pra ela sob a pena de receber um castigo, mas experimenta a sedução que exerce sobre ela, quando percebe seus olhos fixos na samba-canção preta de seda.

“Agora é que o jogo começa, D. Mas antes a gente precisa estabelecer as palavras e os gestos de segurança. Enquanto puder falar, amarelo pra diminuir o ritmo e vermelho pra parar imediatamente. Amordaçado, amarrado e vendado, você vai ter que confiar em mim. Porque eu vou ter que aprender a ler o teu corpo, e você vai ter q se esforçar pra emitir sinais claros pra mim...”

A atmosfera do quarto é densa, como se eles pudessem pegar o desejo com as mãos. Respiração ofegante, coração acelerado e aquela sensação, de frio na barriga, que ambos curtiram por meses antes de concretizarem essa fantasia. Então ela ordena mais uma vez que ele se ajoelhe, mas dessa vez, com o tronco ereto, e pega o cinto preto sobre a mesinha. “Vem cá, meu bichinho de estimação. Não foi pra isso que você veio?” e prende o pescoço dele como se fosse uma coleira. “De quatro, que agora você vai beber aguinha no pires, como um bom animalzinho adestrado.”

E ele segue engatinhando, sendo conduzido por sua dona, que observa, atenta, cada músculo do corpo dele que se contrai, de ansiedade, de dúvida, mas não de medo. Ao menos não agora. “Bebe. Lambe a água bem devagar como se fosse o meu corpo”. E ele lambe a borda do pires, e sorve a água como se fosse sagrada. “Agora você vai levantar, beijar e lamber meu pescoço. E quando eu disser ‘chega’, você se senta nessa cadeira, com as pernas abertas e de costas pra mim.” Ele murmura um tímido “sim, senhora” e se aproxima dela, devagar, abraçando-a por trás e, inebriado pelo perfume dela, passa a língua ainda gelada da água que acabara de beber em sua nuca e beija, ternamente o pescoço da sua dominadora. Quando o corpo dele começa a dar sinais claros de excitação, ela diz “Chega. Não se esqueça de que você não é nada pra mim, nós estamos aqui para o meu prazer, e não pro seu. Sente-se.”

Ele puxa a cadeira e se senta de frente, com as pernas abertas, abraçando o encosto. Numa fração de segundo dirige o olhar pra sua Domme e ela vê, mas encara isso como uma provocação, e não como um descuido, já que ela sabe o quanto ele quer ser vendado. “Como é que você ousa olhar pra mim sem que eu ordene? De agora em diante, você não vai ver mais nada.” E com essa frase, que é mais um prêmio do que uma punição pra ele, ela pega a echarpe preta de seda, se coloca atrás dele, deixando que o delicado tecido da camisa e os seios guardados pela renda preta rocem as costas dele, que deixa escapar um suspiro de prazer. E cuidadosamente coloca a venda em seus olhos, dando duas voltas pra garantir a privação da visão, e amarra bem forte atrás da cabeça, não sem antes enfiar os dedos sob seus cabelos e morder, longa e lentamente, o pescoço, tão livremente oferecido a ela.

Ela caminha até a cama e pega um saquinho de onde tira algumas braçadeiras, dessas de plástico, e olha para a o seu menino, indefeso, em posição de total entrega. Prende cada um de seus pés aos pés da cadeira, e como ele continua abraçado ao encosto da cadeira, ela pega seus braços e os coloca perpendiculares, um sobre o outro, e passa uma braçadeira sobre cada punho, prendendo duas vezes, que é pra deixá-lo bem imóvel. “Abre a boca”, e o faz engolir a mordaça preta que por muito tempo povoou a imaginação dele. Prende com cuidado atrás da cabeça e sussurra em seu ouvido: “Agora você é meu, teu corpo é meu, tuas sensações são minhas. Tua dor é minha, e não adianta gritar porque eu não vou parar.” E pega o chicote, e o estala no ar, pra provar daquela sensação de poder há tempos esquecida, e que ele, inadvertidamente, quis experimentar...

As tiras do chicote sobre a pele branca das suas costas a hipnotizavam. A cada marca, a vontade de passar a língua quente, como as leoas fazem com seus filhotes machucados, tomavam conta dela, e cada músculo do seu corpo se contraía de prazer, ao ver que ele sentia aquela dor e ainda assim queria estar ali, queria estar preso, queria estar com ela. E não souberam quanto tempo durou todo esse frenesi, os corpos pegando fogo, de desejo, e o dele, também pelo carinho especial que acabara de receber. Então ela, não resistindo mais a vontade de tocá-lo, morde, de leve a sua nuca e passa a língua pelo pescoço e ombros, e desce até as costas, percorrendo cada pedacinho, enquanto, como uma menina travessa, beliscava por cima da samba canção aquela bundinha que ainda ia apanhar muito naquela noite... E essa deliciosa tortura continuou por um tempo que nenhum dos dois conseguiu mensurar, eram mordidas, arranhões, lambidas e beliscões, e ele se contorcia, numa falsa vontade de se soltar, enquanto ela sussurrava palavras em seu ouvido que lhe traziam um misto de prazer e temor, mas no fundo ele já sabia que estava escravizado àquilo tudo, e queria. E queria muito.

Ela o deixou por alguns instantes enquanto arrumava a cama, preparando cada detalhe pro melhor da festa que ainda estava por vir. Depois, sentou-se na cama, de frente pra ele, e ficou observando o homem, o menino, o submisso que estava à frente dela e pensou no quanto ele estava certo quando disse que faria de tudo pra agradá-la. “E não é que ele tá conseguindo?” Enquanto isso, ele ainda sob o efeito de toda a adrenalina que tinha inundado o ambiente, ainda tentava se soltar, e ela ria, e dizia que a vontade dela era soberana e que ele só iria sair dali se chorasse, como um bebê, um ridículo bebê indefeso que dependia dela pra fazer suas vontades. Ele esperneou, tentou protestar, e ela, com arrogância e deboche dizia: “Fala mais alto que não ouço você”. Ele se debatia sobre a cadeira, e quando as braçadeiras começaram a apertar demais por causa dos seus movimentos, não teve jeito. As lágrimas caíram e ela foi, piedosa e altiva, soltar os pés e mãos do seu submisso, e beijou seus olhos molhados de lágrimas quentes e salgadas, que escorriam pela face e seguindo o curso das lágrimas beijou-lhe o rosto e, tirando a mordaça, passou a língua em seus lábios e depois explorando cada centímetro da sua boca, explodiu num beijo que terminou com a mordida mais deliciosa que ela pode dar, e pela qual esperou tempo demais...

A imagem dele vendado, de samba canção preta, com as costas, punhos e tornozelos cheios das marcas daquela briga em que ambos eram vencedores, era linda. Ela desviava o olhar, numa tentativa quase desesperada de controlar o tesão que sentia por ele naquele momento. Então, ela o tomou pelas mãos e o conduziu até a cama. Antes que ele deitasse, ela ordenou: ”Dispa-se”. E fez com q ele deitasse de bruços, deixando à mostra as costas que ela mordera e chicoteara, e a bunda (ah, que bunda!) que ela pretendia fazer o mesmo!

Depois de muito improviso, ela recolocou a mordaça e conseguiu prender suas mãos e pés em “x”, deixando-o completamente exposto e vulnerável a todas as suas vontades. Abriu um estojinho que estava dentro da bolsa e tirou dele um objeto metálico, e passou sobre as marcas que o chicote havia deixado em suas costas. Ele se contorcia, de prazer, de medo, mas ao mesmo tempo em que se sentia anulado e vulnerável, sabia que, naquele momento, ninguém podia lhe dar mais segurança que ela. Ele ouviu o barulho do frigobar sendo aberto e já imaginou o que viria pela frente, e sentiu o gelo percorrendo seu corpo, desde a planta dos pés até a cabeça. Ela passava os cubinhos devagar, até que o frio se tornasse quente e o quente se tornasse dor. Pelos tornozelos, pela panturrilha, pelas coxas... quando chegou ao bumbum ela se demorou mais, porque ainda não havia curtido o suficiente uma das partes mais desejadas do corpo dele. Subiu às costas, enquanto ele se contorcia, se debatia, querendo se soltar e fugir daquela tortura insuportável e deliciosa, e quando ela perguntou se ele queria mais e ele assentiu com a cabeça, ela o lembrou mais uma vez que o prazer era dela, e não  dele, e por isso, ele merecia, sem dúvidas, ser castigado.

Tirou as sandálias de salto, sentou-se sobre as pernas dele e deu a primeira palmada na bunda. Os cinco dedos de sua mão ficaram marcados, e quanto mais ele se debatia, e ela ouvia seus gritos e gemidos abafados pela mordaça, mais ela batia. E depois de um tempo que pareceu uma eternidade pra ele, ela novamente perguntou “Quer mais?” e ele, como bom submisso que era à sua dominadora, fez que não. Assim, ela já sabia q era a hora da recompensa e pra contrastar com o carinho gélido, ela beijou e lambeu seu corpo, num percurso quente, úmido e latejante de todas as mucosas...

Ele ainda de bruços, marcado e dolorido por tudo a que havia sido submetido, e ela, tomada pela certeza de que a dominação era a alma dela, corria no sangue dela, e sabendo que o que mais prende um submisso é a vontade de estar com a dominadora, decidiu dar a ele o presente que ele tanto queria. Soltou as mãos e pés, e ordenou que ele ficasse parado e quieto, e juntou seus braços pra trás, amarrando os punhos e depois os cotovelos, e, tornozelos, e os uniu aos punhos atados num lindo e perfeito hogtied. Obviamente que, como ele já sabia que o prazer era dela, as chicotadas agora foram mais intensas, mas nada que ultrapassasse qualquer limite rígido.

Imersa num delírio quase irracional, ela percebeu que a música agora era One, do U2. Curiosamente,Bono Vox dizia: “You ask me to enter, but then you make me crawl. And I can't keep holding on to what you got. When all you got is hurt.” E riu. Não pôde deixar de achar graça porque era exatamente aquilo o que estava acontecendo...Enquanto isso, ele se debatia, cada vez mais, então ela se aproximou dele e disse: “Você queria ser dominado por mim, você queria ser meu. Agora eu sou sua dona e você é o capacho que vai fazer tudo, absolutamente tudo o que eu quiser, porque você não é nada além do meu objeto de prazer.” E ele, mais uma vez, assentiu com a cabeça, numa entrega linda, que ia ser inesquecível pra eles dois...

Ela pegou a tesoura pra desfazer as amarras, e enquanto cortada e liberava as pernas dele, passava as unhas pela parte interna das coxas, depois beijava, e mordia, e o via se  contorcer de prazer. Ele grunhia, gemia, e a cada gemido abafado mais ela lambia e beijava, e arranhava, prolongando indefinidamente essa tortura, ciente de que ele queria mais, e mais ela fazia. Depois soltou os braços, e fez com que ele deitasse, nu, de barriga pra cima, e tornou a prendê-lo pra poder fazer o que bem quisesse com aquele corpo de desse dia em diante, pertencia a ela. Observou cada músculo do seu corpo contraído, num misto de prazer e dor, e viu o quanto ele estava excitado. Aproximou-se dele, mordeu de leve o lóbulo da orelha e disse, em tom de ameaça “Se você gozar vai ser severamente castigado.”

Levantou- se da cama e pegou algumas velas que estavam presas ao chão. Passou a língua sobre seus mamilos, rígidos, e mordeu. Depois, se sentou devagar ao lado dele e começou a despejar a parafina derretida sobre seu peito desprotegido, e a cada gota ele se debatia, e urrava, e ela podia ver, por baixo da echarpe que lhe vendava os olhos, algumas lágrimas. Pra ela, isso era como uma medalha, porque sabia que ele suportava tudo aquilo porque queria estar ali. Soltou seus braços e fez com que ele sentasse, então, se sentou sobre ele e colocou sua cabeça entre os seios dela, pra que ele sentisse o perfume que iria povoar suas memórias por muito tempo. Depois, soltou seus pés, e, se apoiando no encosto da cama, fez com que ele recostasse sobre o corpo dela, e então derramou sobre ele um óleo perfumado e cuidou de cada pedaço daquele corpo que tinha sido entregue a ela de uma forma tão voluntária e perfeita, esperando que ele retribuísse com a massagem que tanto havia prometido.

Cada toque dos dedos dele no corpo dela geravam eletricidade. Os ombros, o pescoço, a nuca, as costas, ele, mais do que ninguém, sabia onde tocar e o que fazer. A tensão, a agressividade, a intensidade daquela mulher que há pouco o machucava, foram se dissipando e transformando em carinho, e ela se virou pra ele, o olhou dentro dos olhos, afinal, a dominadora se fora, e lhe beijou ternamente o rosto. Eles se abraçaram em um abraço infinito e aconchegante, levantaram da cama e, enquanto ele se vestia, ela fumou mais um cigarro. Então, eles bateram a porta, desceram e de despediram, em mais um longo e lento abraço, daqueles que não dá vontade de se soltar, e disseram, juntos: “Te vejo no skype!”

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