sexta-feira, 6 de novembro de 2015

As Bases do BDSM



Tenho visto com alguma frequencia uma certa confusão sobre o que é BDSM e o que não é, o que está inserido no contexto de uma relação D/s ou SM, e creio que uma boa forma de tentar elucidar algumas questões é definir, ou melhor, descrever, as bases do BDSM. Muitos praticantes sequer conhecem-nas, ou ainda, têm a fundamentação teórica mas não aplicam em suas práticas. Muitos o fazem conscientemente, o que em minha visão, é perigoso. Uma relação de dominação ou sadomasoquista, ao contrário de um relacionamento baunilha (excetuando-se os casos de agressão física e emocional), requer um “norte” para que não se torne completamente desastrosa.

Devemos considerar ainda a diversidade de comportamentos humanos, e à peculiaridade de cada um em perceber e seguir alguns conceitos. Não existe uma verdade absoluta no universo, e no BDSM não seria diferente, então, o que é fetiche pra mim pode ser abominável a você, o que é consensual pra mim, pode lhe paracer absurdo. Nenhuma interpretação é certa ou errada. É muito comum, por exemplo, praticantes tentarem explicar aos baunilha que tudo o que vivem é SSC (são, seguro e consensual), mas, no entanto, se este mesmo praticante for adepto de práticas mais pesadas, como branding, por exemplo, deve considerar que não há segurança, e sim, presunção do risco. O que temos, de fato em comum a todas as bases é o conceito de consensualidade, que difere o BDSM de violência pura e simples.

Contudo, o conceito de consensualidade pode, ainda, ter diversas interpretações, devido à sua subjetividade. Portanto, faz-se necessário definir os princípios que norteiem os praticantes e suas relações interpessoais. Esses príncípios são conhecidos como BASES DO BDSM, a saber:

SSC (Sane, safe and consensual)
A base mais conhecida do BDSM, criada por David Stein na década de 80, na tentativa de dissociar a imagem dos BDSMers de comportamentos violentos, criminosos, doentios e abusivos, preconizados pela sociedade. É fundamentada nos pilares de sanidade, segurança e consensualidade). Partindo destes princípios, cada prática deve ser sã (realizada por indivíduos sadios mentalmente, que tenham bom senso e sensiblidade para aperceber-se do que está acontecendo), segura (com a prevenção e minimizaão dos riscos) e consensual (envolvendo a consensualidade dos envolvidos, por livre e espontânea vontade).

SSS (Sane, safe and sensual)
Significa são, seguro e sensual, abolindo o conceito de consensualidade do BDSM. A ideia de “sensualidade” diz respeito ao prazer mútuo, responsabilidade, cuidado e intimimidade entre os envolvidos nas práticas. O objetivo desta base é dar ao TOP mais liberdade, em contrapartida, aumentando sua responsabilidade sobre o bottom, significando uma sessão onde são observadas rigorosamente a integridade física e emocional do bottom, com mais autonomia do TOP.

CCC (committed, compassionate and consensual)
Esta é uma base recente, e geralmente relativa em relacionamentos TPE (total power exchange, ou troca total de poder), atribuindo ao TOP a completa responsabilidade das práticas. Define-se por compromissado  o estabelecimento do acordo prévio que não pode ser ignorado, cm o estabelecimento de limites instransponiveis e a proibição do uso de safewords. Compassivo é tudo o que é relativo á saúde física  e mental do bottom e estão sujeitos à “compaixão”, por assim dizer, do TOP. E por fim, a consensualidade, estabelecida previamente e que compreende apenas a alteração, exclusão ou inclusão dos limites extremos no acordo.

RACK (risk aware consensual kink)
Como dito anteriormente, o conceito de segurança dentro do BDSM é bastante difuso e até mesmo inexistente em algumas práticas. Com o passar dos anos, e a partir da observação de que, mais importante que preconizar uma segurança que não pode ser garantida, é tentar minimizar os riscos que são potenciais causadores de dano, surgiu a base RACK, que significa Perversão (K) Consensual (C) e com Consciência dos Riscos (RA).
Entende-se por consciência de Riscos (RA) a informação e percepção de todos os envolvidos sobre as práticas a serem executadas. Consensualidade (C), como já visto, diz respeito ao acordo das partes e a perversão (K) como prática erótico-sexual alternativa.
No RACK não se faz necessário o uso de safewords, uma vez que todos estão conscientes dos riscos. Esta base é a segunda mais conhecida do BDSM e abrange práticas mais “hard”, de denotem maior perigo durante seu desenvolvimento.

RISSCK (Risks Informed, Safe, Sane and Consensual Kink)
A base RISSCK surgiu como uma interseção entre as bases SSC e RACK, agrupando em única base, os conceitos de risco conhecido e sanidade. Compreende o uso não obrigatório de safewords, e contempla práticas mais arriscadas que fogem ao conceito SSC. Assim, a tradução literal desta base é Perversão (K) Sã (S), Segura (S), Consensual (C) e com Riscos Informados (RI). É uma base pautada na avaliação minuciosa dos riscos, esmiuçando as técnicas e a competência daqueles que as praticam.

PRICK (Personal Responsability, Risks Informed and Consensual Kink)
Esta base é uma extensão da RACK, e diz respeito a responsabilidade individual de cada participante. Traduzida por significa Perversão (K) Consensual (C) com Riscos Informados (RI) e Responsabilidade Pessoal (PR), se contrapõe ao CCC, no momento em que transfere para o bottom toda a responsabilidade pela prática q está sendo submetido. Uma vez que os riscos são informados e consentidos, entende-se que o TOP é apenas o condutor, estando isento das responsabilidades.
Esta base tem o viés teórico-técnico do RISSCK E abragge uma gama de técnicas, das mais simples às mais elaboradas e perigosas, como o RACK.

PCRM (Prática Consensual com Riscos Minimizados)

Esta base repele o conceito de segurança, considerando que nenhuma prática é isenta de risco porém, estes podem ser minimizados. Não é suficiente a informação e o consentimento do risco, mas faz-se necessária uma intervenção de forma a minimizá-los. Se contrapõe so RISSCK e ao SSC / SSS, por admitir que ninguém é absolutamente qualificado para uma análise precisa de riscos ou ainda para classificar alguém como são ou adequado mentalmente para realisar determinada prática ou estabelecer uma relação D/s ou SM. Elimina ainda, o termo “kink”, por considerar a “perversão”um termo pejorativo.

domingo, 25 de outubro de 2015

Segurança x BDSM



Segurança é um dos pilares mais sólidos do BDSM. Está presente em todas as bases, 

direta (como no SSC e no SSS) e indiretamente (como no RACK, PRICK, PCRM,  RISSCK – 

assumir o risco também envolve segurança).


Vemos um crescente número de simpatizantes e praticantes do BDSM, em parte pelo 

“boom” de trilogias eróticas com elementos de dominação e submissão, pessoas em 

busca de novos prazeres, de apimentar sua vida sexual ou ainda, aqueles que estão aos 

poucos aceitando, entendendo e vivenciando seus fetiches. 


Embora o texto a seguir seja direcionado aos iniciantes, creio que pode contribuir com 

todos os praticantes, pois em termos de segurança, os mais suscetíveis a erros são os 

extremos: os inexperientes, por falta de conhecimento, e os experientes, por 

negligenciar o dano. É o famoso “faço isso há anos e nunca deu errado”. Mas um dia, 

pode dar.


TOPS e bottoms têm a obrigação de zelar por sua segurança. Embora o TOP seja o 

“designer” e condutor da sessão, é obrigação do bottom relatar quaisquer patologias e 

dificuldades ANTES da sessão. O TOP precisa saber se suas práticas serão limitadas por 

problemas cardíacos, alergias, doenças respiratórias, diabetes, problema de 

coagulação, cicatrização e circulatórios, por motivos óbvios. Um bottom que tenha 

problemas de coagulação, cicatrização e diabetes, por exemplo, não pode ser 

submetido a sessões de cutting. Tromboses e flebites, ou até mesmo varizes mais 

complicadas impedem que o bottom seja mantido imobilizado e na mesma posição 

por muito tempo. Alergias podem ser cruciais numa cena de wax play (velas), e os 

problemas cardíacos, diretamente ligados a stress e aumento da pressão arterial, 

podem ter uma crise desencadeada por uma sessão de spanking, por exemplo. Até em 

uma sessão que exista a ingestão de alimentos, pois diversas pessoas são alérgicas.

Pretendo aqui, fazer um passeio pelas práticas, das mais simples às mais complexas, 

traçando um paralelo com algumas “dicas” de segurança, fundamentais pra uma 

sessão perfeita e sem prejuízo à saúde do bottom. O bem estar do bottom reflete 

diretamente na qualidade da relação, e no desenvolvimento dela. Não se pode 

negligenciar cuidados antes, durante e após a sessão, e o objetivo deste artigo é 

simplificar e demonstrar que vc não precisa ser um profissional da área de saúde, nem 

um arquiteto ou engenheiro pra fazer as coisas darem certo.


A primeira regra de segurança em uma sessão é o estabelecimento da “safeword”, a 

palavra de segurança. A safe deve ser verbal, com o uso de uma palavra que não 

remeta a NADA do que está envolvido numa sessão. Não adianta o bottom no 

momento de um spanking, por exemplo, dizer “Chega”, “Pare”. Isso pode ser 

facilmente e interpretado pelo TOP como um estímulo, como parte do jogo, e levá-lo a 

aumentar a intensidade dos golpes. Vejo o uso de palavras corriqueiras, nomes de 

objetos ou alimentos utilizados como safeword, como “feijão”, “abajur”, “casa”, 

“morango”. Estas palavras tiram o TOP imediatamente da atmosfera da sessão e o 

trazem pra realidade de que deve parar imediatamente.


Outro tipo de safeword é a gestual. Esta é utilizada quando o bottom está impedido de 

falar, durante o uso de mordaças ou outros dispositivos de supressão da voz. Deve-se 

combinar previamente um movimento, ou gesto, que demonstre ao TOP a 

necessidade de interromper aquela prática. Há ainda casos em que o bottom está 

amordaçado e restrito, e nesses casos, há que se contar apenas com a experiência do 

TOP e com a interação do casal. Não é aconselhado privação de sentidos associada a 

bondage a quem não tem experiência, ou que ainda não conhece profundamente a 

sua peça. 


O segundo ponto que deve ser abordado com relação à segurança, diz respeito a um 

conceito quase óbvio: a higiene. Especialmente direcionado aos praticantes mais 

extremos, como os adeptos de blood play (prática que envolve cortes, suturas e 

perfurações), a higiene não pode NUNCA ser negligenciada.


A limpeza e assepsia da pele que será submetida a essa prática é fundamental pra 

minimizar o risco de infecções. Limpeza prévia da pele com álcool 70%, e desinfecção 

do material a ser utilizado, de preferência com solução de hipoclorito de sódio 10-15% 

por quinze minutos, além da utilização de lâminas e agulhas estéreis. Em tempos de 

HIV e hepatite, além de diversas doenças transmitidas pelo contato com sangue 

contaminado, cuidado nunca é demais. Uso de luvas descartáveis pelo TOP também é 

um ponto que merece ser lembrado. E a vigilância constante dos exames de sangue do 

seu bottom!


A inserção de catéteres uretrais, além de exigir destreza do TOP, exige um cuidado 

ainda mais apurado da região genital. E na hora do fisting, seja anal ou vaginal, não se 

deve esquecer que as mãos devem estar limpas, e para TOPS de bottoms femininas, 

lembrar sempre que a mão que penetra o ânus não deve penetrar a vagina, por ser 

potencial carreador de microrganismos infecciosos que podem causar doenças capazes 

de levar sua menina à esterilidade. E por fim, a limpeza dos brinquedos sexuais deve 

ser cuidadosa. Existem microrganismos resistentes que podem permanecer viáveis por 

dias, e no caso de compartilhamento de brinquedos, o risco de uma DST não deve ser 

descartado.


Lembrar que todo material descartável como agulhas, cateteres e outros devem ser 

descartados se forma segura e de acordo com os padrões de higiene recomendados. 

JAMAIS JOGUE AGULHAS OU CATETERES DIRETAMENTE NO LIXO. Use as caixas que 

podem ser encontradas nos distribuidores de produtos médico-hospitalares e 

descarte-as apropriadamente.


Atenção para o uso de plugs e demais objetos inseridos no ânus. Por conta do vácuo 

que se cria nessa região, estes dispositivos devem ter sempre a base mais larga para 

evitar que sejam “sugados” para a região interna, podendo causar obstrução retal e 

maiores complicações.


Práticas que envolvam excreções, como scat (fezes) e chuva dourada (urina), merecem 

atenção sob o aspecto biológico da questão. Os praticantes devem ter em mente que 

as fezes são potenciais carreadores de parasitas intestinais, que podem ser 

transmitidos pela ingestão, provocando parasitoses que podem promover quadros 

intestinais ou até mesmo cerebrais. A urina, por sua vez, é constituída de compostos 

extremamente tóxicos, como uréia e amônia, que ao contrário do que já vi em muitos 

lugares, não são “diluídos” com a ingestão de maiores quantidades de água pelo TOP.

Para os praticantes de bondage, a atenção deve estar voltada para a circulação. Não se 

esqueça que o bottom vai se contorcer, e as cordas, se não atadas corretamente vão 

comprimir a circulação. Deve-se ter um cuidado redobrado com as articulações. Evitar 

colocar pressão sobre cotovelos, ombros, tornozelos, e em caso de posições que 

amarram os braços pra trás, especialmente se o bottom estiver deitado, observar 

atentamente o ritmo respiratório. Essas posições costumam comprimir os pulmões e 

dificultar a respiração, podendo levar a um quadro de asfixia.


Se por alguma razão houver a necessidade de interrupção imediata da imobilização, 

tenha sempre a mão uma tesoura, SEM PONTA (Daquelas utilizadas para o corte de 

ataduras e gesso). Uso de facas, canivetes e outros instrumentos perfurocortantes no 

momento em que seu bottom está se debatendo por falta de ar ou com as 

extremidades roxas por falta de circulação, pode ocasionar um desastre sem 

precedentes. Vale lembrar que a corda deve ter uma folga na amarração onde o top 

seja capaz de colocar um dedo ou dois com facilidade.


Nota para os bottoms: relate IMEDIATAMENTE ao seu TOP se vc sentir qualquer 

formigamento ou dormência, para que ele possa interromper a imobilização.

A asfixia erótica ou autoerótica é uma das práticas mais perigosas no BDSM. A pressão 

sobre a traquéia e artérias próximas pode levar a morte ou provocar danos graves. O 

grande problema está no limite tênue entre prazer e baixa oxigenação cerebral, e no 

curto tempo em que esse limite pode ser rompido. Isso vale mais uma vez para as 

posições que envolvem imobilização de bruços. Ainda sobre asfixia, muito cuidado ao 

inserir objetos na boca do bottom, que podem ser engolidos e dificultar ou impedir a 

respiração.


Um outro ponto importante sobre imobilização, é que o TOP não deve, JAMAIS, deixar 

seu bottom sozinho. Uma pessoa amarrada está vulnerável e não poderá socorrer a si 

própria em caso de prejuízo circulatório ou respiratório. Assim como o bottom, o TOP 

deve se precaver de quando esta fazendo uma cena de total imobilização do bottom 

ou mesmo suspensão deste, deve ter um failsafe. Alguém de confiança que ligue de 

tempos em tempos para saber se tudo está bem. Pois se acontecer algo com o TOP o 

bottom não poderá fazer nada estando totalmente imobilizado ou até suspenso.

Clamps (ou grampos), são acessórios que podem provocar muito prazer, 

especialmente nos bottoms masoquistas, por provocarem dor intensa e aguda. Porém, 

não devem ser usados por um longo período de tempo por conta da interrupção da 

circulação nos locais em que são aplicados. 


Nota sobre os bottoms masoquistas: Por terem maior resistência e muito prazer com a 

dor, geralmente têm seus limiares muito altos, e cabe ao TOP determinar o fim de uma 

prática, no momento em que é percebido qualquer risco imediato ou futuro para sua 

segurança e saúde.


Nada mais usual no BDSM que o spanking, certo? Aquela sensação maravilhosa de dar 

e receber tapas, açoites, castigos… O que é importante saber é onde aplicar esses 

golpes. Existem zonas “verdes”(permitido), “amarelas”(permitido com atenção) e 

“vermelhas” (proibido) de spanking por todo o nosso corpo. A parte inferior das 

costas, onde se localizam os rins, é uma zona vermelha. Um golpe mais forte nessa 

região pode provocar rompimento de estruturas renais que podem causar falência do 

órgão, levando, ao longo do tempo, o bottom à morte. A coluna vertebral, por seu 

grande risco de lesões que podem levar à paralisia, também é uma zona vermelha. A 

região do pescoço, pelos mesmo motivos relatados no tópico sobre asfixia, e 

articulações dos braços e pernas, pela presença de estruturas venosas profundas 

nesses locais, são zonas de impacto proibido.


Lembrem-se que em uma prática com um chicote longo devemos proteger as áreas 

vermelhas do corpo do bottom para evitar lesões, pois as chicotadas neste caso 

escapam do controle do TOP, por mais destreza que ele possua. Proteja a área dos rins 

e mantenha o rosto do bottom em uma posição que uma chicotada errada não a 

acerte. O mesmo vale para as outras áreas vermelhas.


As zonas amarelas, compreendem aquelas que a força deve ser moderada. Seios, 

região superior dos pés e mãos, e porção superior do tórax, merecem atenção, porém, 

não são zonas proibidas. “E em que lugar tá liberado? Onde é que finalmente acontece 

a mágica do spanking?” Nas nádegas (nada mais gostoso que bater na bunda, certo?), 

coxas e panturrilhas, locais com mais massa muscular e pouco vascularizados. 


Bom, acredito ter abordado as questões principais de segurança relativas às práticas 

mais usuais dentro do BDSM. Ressalto, mais uma vez, a importância do relato do 

bottom sobre quaisquer doenças e condições que mereçam atenção especial. Negar 

essas informações, além de prejudiciais à sua vida, podem causar sérias implicações, 

até mesmo criminais ao seu TOP. Uma relação é constituída de troca e de confiança, e 

não seria diferente aqui.


Espero ter contribuído para sanar algumas dúvidas. Saudações a todos e boas práticas!

Quando o TOP tem que abrir mão

A primeira resposta que pode nos vir à cabeça é: “nunca”. Afinal, TOPs são aqueles que
dominam, que são mais fortes, que comandam, que mandam, que decidem… Porém, se você fizer uma breve pausa pra analisar o contexto de uma relação dentro do BDSM, seja D/s ou SM, vai perceber uma verdade um tanto quanto incômoda, especialmente se você for TOP. É o bottom quem manda, nós apenas conduzimos a relação.

Ora, Morgana, você deve estar equivocada… Um dominador jamais seria “comandado” pela vontade de um submisso. Pra você que pensa assim, caro colega, tenho uma outra notícia ruim. Quando do início de uma relação, os limites são negociados, certo? Mas todos estes limites são teoria. Seu bottom disse que suportaria um spanking com cane, que isso não seria limite pra ele. Pois bem, isso é um prazer pra você e que bom que vai curtir o seu prazer. Mas na prática, a coisa muda, e muito, de figura.

Quando digo que os limites são teoria, estou querendo dizer que todos nós, somos indivíduos únicos, capazes de reagir de maneiras únicas a uma determinada situação. Se eu resolvo me divertir com um bastinado, por exemplo, a força que emprego pra bater no submisso é uma,a força que vc usa, é outra. Da mesma forma, eu posso usar a mesma força e a mesma técnica no submisso X e no submisso Y, e cada um deles vai reagir a isso de uma forma diferente. Então, não adianta dizer “eu faço isso há 21 anos e meus submissos sempre suportaram”. Ainda tenho que considerar a vinda do submisso Z que não vai suportar.

Por isso a importância de estar consciente de que limites são teóricos… os bottoms que 
pertencem a TOPs que são mestres na arte de dominação psicológica estão bem claramente suscetíveis a excessos. Não é por acaso que vemos um sem-número de submissas surtadas, querendo se matar, depressivas, por conta de dominantes que fazem isso há “trocentos anos” e nunca tiveram problema… Na verdade, jamais consideraram que a sensibilidade e a resiliência de cada indivíduo é única, e que uma palavra que pra você pode ser corriqueira, usual, pode destruir a auto-estima de outra pessoa, mesmo que tenha sido funcional com tantas outras.

Então, quando é que o TOP deve abrir mão? Na minha modesta e mais honesta possível opinião, quando ele consegue identificar que seu bottom é mais importante pra ele do que aquela prática. Como sádica, tive que ser lapidada por anos até entender isso. E ser lapidada significou perder bottoms que me fizeram felizes, que me satisfizeram em todos os outros aspectos, mas que não eram masoquistas. Foram anos deixando que a minha “incompletude” determinasse o final das minhas relações, até aprender que uma relação D/s é uma relação interpessoal, e como qualquer outra, é importante ceder.

Isso não faz de nenhum TOP menos TOP. Não faz de um dominante um “fraco que não 
consegue subjugar seu submisso”. Pelo contrário. Isso fortalece as relações. Cria um laço de afetividade e respeito, e principalmente, de SEGURANÇA. Qual bottom nunca teve medo de uma determinada prática, e muitas vezes suportou o que era insuportável e não lhe dava prazer algum porque estava dentro da famosa listinha de limites pré-estabelecidos?

Não podemos nos esquecer nunca que o ser humano é dinâmico. O que um submisso suporta normalmente todos os dias, pode ser um martírio em um dia que as coisas não vão bem. Cabe ao seu dominante ler e reler a sua peça. Sentir. Olhar nos olhos e mergulhar. Mas não é só isso. Cabe também ao bottom saber que seu TOP não é alguém acima de todas as coisas, que também erra, que pode estar também num dia ruim e incapaz de perceber essas nuances. 

O TOP tem que abrir mão quando entende que o prazer não é unilateral. Que são dois (ou 
mais, risos), em busca de um prazer que se retroalimenta, o de doar-se e o de receber com gratidão. E receber a doação do outro, com tudo o que vem atrelado à ela, é mágico… E faz com que este outro, seja merecedor de que você abra mão sim, de algo que te agrada, que te satisfaz, pra ter do teu lado uma pessoa mais completa, cheia de emoções e com toda vontade do mundo de dividir isso com você.

Em suma, o TOP tem que abrir mão quando ele entende que seu bottom é o seu objeto de prazer apenas em termos “ritualísticos”. Na prática, seu bottom é uma PESSOA. Que deve ser amada, respeitada, considerada e observada como tal. É muito bonitinho, usual e porque não dizer “normal”, usar termos como “peça”, “brinquedo”, “bichinho”, mas isso não muda o fato de quem está do outro lado do chicote é um ser humano, tão suscetível às intempéries da vida quanto você.

Seja firme, seja seguro, seja confiante no seu poder de ser o porto seguro desta pessoa. Assim, se porventura te passar pela cabeça, caro TOP, que você está acima de tudo isso, que não precisa abrir mão de nada, aceite um conselho, de uma nobre colega que já perdeu muito. 

MATE o ego. E seja feliz.

A construção do submisso na visão do dominador



Quando decidimos criar o Castelo BDSM, a minha primeira ideia de artigo foi “a 

construção do submisso pela visão do dominador”. Ideia prontamente aceita e 

compartilhada pelos TOPs e bottoms do grupo, com a promessa de que Letty e Tha 

escreveriam sobre o despertar do TOP pela visão submissa. 


Meses se passaram, outros artigos vieram, e este, tão importante, tão sentimental, tão 

porta aberta não saía… Até q as meninas resolveram dar uma chacoalhada e 

escreveram o delas, o que deixou esta dominadora que vos fala em maus lençóis 

Não me restou outra saída a não ser deixar o chicote de lado e sentar à frente do 

computador pra expor a minha visão, a minha experiência sobre a construção de um 

submisso. Sobre tudo o que faz dele importante pra mim como pessoa e essencial pra 

mim como dominante.


Nestes vinte e um anos como dominadora, já tive submissos dos mais diversos. Dos 

mais masoquistas aos mais soft, passando por aqueles q nunca foram, mas que 

tentaram. Pra se satisfazer ou pra me satisfazer. E em todos eles, com mais ou menos 

tempo, eu vi o mesmo olhar, os mesmos gestos. Ouvi os mesmos gemidos, os mesmos 

sussurros. Vi algumas lágrimas caírem, vi outros chorando de soluçar, como uma 

criança, agarrados às minhas pernas com a cabeça encostada nos meus joelhos. Vi 

homens se tornarem meninos, vi meninos se tornarem meninas, vi gente marrenta e 

abusada pedir perdão encolhido, em posição fetal, assim como vi pessoas pacíficas 

levantarem os nariz pra mim, e dizer “não vou fazer” (mas, no fim das contas, fizeram).

Tenho em mim que a submissão, assim como a dominação, nasce com a gente. Em 

detrimento daquele papo de “submisso de alma”, que um dia foi uma expressão séria, 

mas de tanto mau uso acabou virando piada, é algo que está dentro de cada um, e nos 

cabe desenvolver ou sublimar. Mas no momento em que decidimos desenvolver isso, é 

um gatilho disparado que nunca mais deixará de ecoar.


Ver desabrochar um submisso é das coisas mais lindas da vida. Não é nada, 

absolutamente nada fácil, numa sociedade machista e patriarcal, um homem ceder o 

controle a uma mulher. Baixar a cabeça, os olhos, dobrar-se a ela. É muito mais que 

dizer “sim, senhora”. É dar-se, inteiro e despido, de roupas e pudores, àquela q vai 

comandar uma cena, uma sessão, ou a vida dele.


Homens naturalmente submissos talvez entrem na atmosfera de submissão com mais 

facilidade. Mas ainda assim, existe uma certa resistência, porque ao contrário do que 

acontece numa relação baunilha, não é apenas obedecer, ou ter suas vontades 

ignoradas pela parceira. Numa relação D/s existe a obediência, óbvio, mas o que leva a 

ela é algo muito maior. É a entrega, a confiança, a devoção.


Ver o submisso de joelhos, dobrado com um olhar meu, desperta sensações diversas, 

intensas, marcantes… É o meu poder sobre ele, fui eu quem fiz aquilo acontecer. 

Retribuo. Deixo que percebam o quanto sou grata por isso. Olho nos olhos, para que 

vejam que o que eu quero foi o que eles vieram buscar. E no fim das contas é 

exatamente isso. Uns vêm pela dor, outros pela degradação, alguns pela dependência. 

Mas todos, absolutamente todos, vêm a mim pelos seus prazeres. 


Em muitos olhos eu vi amor, paixão, tesão… Em outros, vi angústia, desespero e raiva. 

E todos, sem exceção, fizeram os meus brilharem. É engraçado como alguns 

comportamentos sofrem metamorfoses depois da porta fechada. Se colocar de joelhos 

incomoda, mesmo aos mais submissos. Alguns o fazem instintivamente, outros 

precisam de um estímulo maior. Mas quando percebem o quão importante é esse ato, 

a coisa começa a fluir com mais facilidade.


Pra alguns dos submissos que já tive, servir foi, por muito tempo, uma coisa 

angustiante e tortuosa. E aos poucos, com carinho, atenção, firmeza, mostrando passo 

a passo desse ritual, a importância desses pequenos gestos, eu vi nascer o submisso. O 

homem que outrora relutava em dobrar-se, naquele momento já deitava aos meus pés 

e dizia “faça o que quiser, minha senhora”. Mas chegar a esse ponto é uma tarefa 

árdua, pq vem imbuída de muita, muita confiança. É abrir mão do que se é, do que se 

acredita, do que se quer ou não quer fazer, em prol de alguém que vai conduzir o seu 

corpo, suas emoções dali por diante.


O momento mais sublime pra um dominante é ver o seu submisso abrir mão do que 

não quer. Deixar de fazer ou receber algo que gosta é infinitamente mais fácil que 

suportar (e aqui defino suportar como ter prazer, gostar, gozar com) algo que não 

gosta. Todo início de relação D/s ou SM é permeado por uma negociação acerca dos 

limites, principalmente do bottom, mas também do TOP. É preciso que o dominante 

informe ao submisso o que não pratica, pra não gerar expectativas vãs. E quando os 

meus submissos me expuseram, ao longo de todo esse tempo, os seus limites, sempre 

ouviram de mim a seguinte afirmativa: “Uma coisa é eu não fazer porque você não 

quer. Agora, se eu vou levar você a querer isso, é outra, bem diferente.”


Sim, os submissos são manipuláveis. Especialmente quando se dispoem a fazer as 

nossas vontades… é tudo uma questão de saber moldar, de saber tocar no ponto 

certo, de saber explorar cada fraqueza. Quando o dominante consegue perceber essas 

nuances (não que seja fácil), tem em suas mãos o brinquedo preferido. O que vai 

aceitar, com reverência, todas as suas vontades. O que vai ter prazer, muitas vezes, 

apenas em agradar, mesmo sem ser agradado. O que vai tornar o dominante o centro 

do seu universo, e viver pra ele, e por ele.


Muitas vezes, é questão de saber recuar. Quantas, incontáveis vezes eu abri mão de 

uma coisa que queria muito pra poder colher os frutos desta confiança, revertido em 

entrega total e irrestrita lá na frente… Quantas vezes precisei colocar no colo e dizer  

“tô aqui com você”, pra me tornar absolutamente necessária tempos depois. E 

quantas vezes me diverti, quando fingia que não percebia o submisso querendo jogar 

comigo, dizendo não quando na verdade queria dizer “sim, eu imploro”.


São meus brinquedos prediletos, confesso. Adoro ouvir aquele “minha senhora”, vindo 

de dentro, das entranhas. Quero-os inteiros pra mim. Quero o corpo pra brincar, mas 

quero muito mais que isso. Quero tudo, quero a respiração deles no ritmo da minha. 

Quero que se reconheçam como parte de mim, e que isso seja, pra eles, a coisa mais 

importante do mundo.


Por mais que eu escreva páginas e mais páginas, acho que jamais conseguirei explicar a 

beleza (e muitas vezes a dor) do nascimento de um submisso. Tenho milhares, milhões 

de lembranças pra exemplificar o que seria esse “desabrochar”. Mas vou terminar aqui 

com a mais recente, e uma das mais bonitas, que foi ouvir, do meu atual submisso, 

depois de me assistir numa prática que é limite pra ele, as seguintes palavras “a 

senhora pode tudo o que quiser, porque eu confio em você, e te amo”. 


Se foi fácil pra ele dizer isso, tenho certeza de que não. Mas mais difícil ainda foi ele 

SENTIR isso. Sentir que estava acontecendo exatamente o que eu disse que 

aconteceria, e ouvir a minha voz ecoando dentro dele: “eu vou levar você a querer 

isso”. E nesse momento, embora ele já fosse meu há muito tempo, eu pude olhar nos 

olhos dele e dizer, com toda certeza “nasceu o meu submisso.”