domingo, 25 de outubro de 2015

Quando o TOP tem que abrir mão

A primeira resposta que pode nos vir à cabeça é: “nunca”. Afinal, TOPs são aqueles que
dominam, que são mais fortes, que comandam, que mandam, que decidem… Porém, se você fizer uma breve pausa pra analisar o contexto de uma relação dentro do BDSM, seja D/s ou SM, vai perceber uma verdade um tanto quanto incômoda, especialmente se você for TOP. É o bottom quem manda, nós apenas conduzimos a relação.

Ora, Morgana, você deve estar equivocada… Um dominador jamais seria “comandado” pela vontade de um submisso. Pra você que pensa assim, caro colega, tenho uma outra notícia ruim. Quando do início de uma relação, os limites são negociados, certo? Mas todos estes limites são teoria. Seu bottom disse que suportaria um spanking com cane, que isso não seria limite pra ele. Pois bem, isso é um prazer pra você e que bom que vai curtir o seu prazer. Mas na prática, a coisa muda, e muito, de figura.

Quando digo que os limites são teoria, estou querendo dizer que todos nós, somos indivíduos únicos, capazes de reagir de maneiras únicas a uma determinada situação. Se eu resolvo me divertir com um bastinado, por exemplo, a força que emprego pra bater no submisso é uma,a força que vc usa, é outra. Da mesma forma, eu posso usar a mesma força e a mesma técnica no submisso X e no submisso Y, e cada um deles vai reagir a isso de uma forma diferente. Então, não adianta dizer “eu faço isso há 21 anos e meus submissos sempre suportaram”. Ainda tenho que considerar a vinda do submisso Z que não vai suportar.

Por isso a importância de estar consciente de que limites são teóricos… os bottoms que 
pertencem a TOPs que são mestres na arte de dominação psicológica estão bem claramente suscetíveis a excessos. Não é por acaso que vemos um sem-número de submissas surtadas, querendo se matar, depressivas, por conta de dominantes que fazem isso há “trocentos anos” e nunca tiveram problema… Na verdade, jamais consideraram que a sensibilidade e a resiliência de cada indivíduo é única, e que uma palavra que pra você pode ser corriqueira, usual, pode destruir a auto-estima de outra pessoa, mesmo que tenha sido funcional com tantas outras.

Então, quando é que o TOP deve abrir mão? Na minha modesta e mais honesta possível opinião, quando ele consegue identificar que seu bottom é mais importante pra ele do que aquela prática. Como sádica, tive que ser lapidada por anos até entender isso. E ser lapidada significou perder bottoms que me fizeram felizes, que me satisfizeram em todos os outros aspectos, mas que não eram masoquistas. Foram anos deixando que a minha “incompletude” determinasse o final das minhas relações, até aprender que uma relação D/s é uma relação interpessoal, e como qualquer outra, é importante ceder.

Isso não faz de nenhum TOP menos TOP. Não faz de um dominante um “fraco que não 
consegue subjugar seu submisso”. Pelo contrário. Isso fortalece as relações. Cria um laço de afetividade e respeito, e principalmente, de SEGURANÇA. Qual bottom nunca teve medo de uma determinada prática, e muitas vezes suportou o que era insuportável e não lhe dava prazer algum porque estava dentro da famosa listinha de limites pré-estabelecidos?

Não podemos nos esquecer nunca que o ser humano é dinâmico. O que um submisso suporta normalmente todos os dias, pode ser um martírio em um dia que as coisas não vão bem. Cabe ao seu dominante ler e reler a sua peça. Sentir. Olhar nos olhos e mergulhar. Mas não é só isso. Cabe também ao bottom saber que seu TOP não é alguém acima de todas as coisas, que também erra, que pode estar também num dia ruim e incapaz de perceber essas nuances. 

O TOP tem que abrir mão quando entende que o prazer não é unilateral. Que são dois (ou 
mais, risos), em busca de um prazer que se retroalimenta, o de doar-se e o de receber com gratidão. E receber a doação do outro, com tudo o que vem atrelado à ela, é mágico… E faz com que este outro, seja merecedor de que você abra mão sim, de algo que te agrada, que te satisfaz, pra ter do teu lado uma pessoa mais completa, cheia de emoções e com toda vontade do mundo de dividir isso com você.

Em suma, o TOP tem que abrir mão quando ele entende que seu bottom é o seu objeto de prazer apenas em termos “ritualísticos”. Na prática, seu bottom é uma PESSOA. Que deve ser amada, respeitada, considerada e observada como tal. É muito bonitinho, usual e porque não dizer “normal”, usar termos como “peça”, “brinquedo”, “bichinho”, mas isso não muda o fato de quem está do outro lado do chicote é um ser humano, tão suscetível às intempéries da vida quanto você.

Seja firme, seja seguro, seja confiante no seu poder de ser o porto seguro desta pessoa. Assim, se porventura te passar pela cabeça, caro TOP, que você está acima de tudo isso, que não precisa abrir mão de nada, aceite um conselho, de uma nobre colega que já perdeu muito. 

MATE o ego. E seja feliz.

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